*Por Sonia Fiori – Da Editoria
Quais os eventuais reflexos no contexto das eleições 2020 – na esteira da pandemia do coronavírus? Esse contexto é analisado pelos advogados José Patrocínio de Brito Júnior e Hélio Ramos – professores e especialistas na área, nesta Entrevista da Semana Especial ao FocoCidade – além de suas vertentes no âmbito eleitoral.
As respostas, acerca dos tópicos questionados, seguem formuladas em consenso de interpretação de Ramos e Patrocínio.
Trecho da entrevista destaca, entre outros pontos, o alerta sobre defesas e nessa ordem, a polêmica no que se refere ao debate que propõe a prorrogação das eleições – ou a tese de unificação se agravada a seara de consequências da Covid-19.
“O que se pode considerar em caso de agravamento da crise – ouvida as autoridades sanitárias – configurado caso fortuito ou força maior, que venha impedir o povo de se manifestar nas urnas, razoável o adiamento por prazo suficiente desde que não coloque em risco a vida da população.”
Nessa esfera de avaliação e observando os preceitos da Constituição – acentuam ainda a leitura em relação à expectativa de revisão dos custos da máquina pública – passando pela VI – Verba Indenizatória.
“Talvez se o gestor público não fizesse essas compras se ele estivesse usando o seu próprio dinheiro, na sua casa, não efetuaria esse tipo de despesa”, em menção ao ambiente de “gastos”.
Sobre os entrevistados:
Prof. José Patrocínio de Brito Júnior / Advogado, Mestre em Direito e Professor de Direito Administrativo e Direito Eleitoral.
Prof. Hélio Ramos / Advogado, Professor de Direito Eleitoral, Direito Constitucional, e Direito Penal.
Confira na íntegra:
Com o cenário de drásticos efeitos do coronavírus – atingindo em cheio a economia – e outros pontos como os riscos do contato entre pessoas – muitos especialistas e políticos passaram a defender a não realização das eleições municipais neste ano. O que seria o ideal nesse contexto?
O quadro atual é preocupante, merece profunda reflexão, avaliação e bom senso dos “players” envolvidos no processo eleitoral. De maneira alguma poder-se-á agir açodadamente burlando a regra do princípio da anualidade insculpida na Constituição que objetiva impedir mudanças casuísticas na legislação eleitoral do pleito em disputa, sob pena de prejudicar e/ou favorecer candidatos e partidos. O que se pode considerar em caso de agravamento da crise – ouvida as autoridades sanitárias – configurado caso fortuito ou força maior, que venha impedir o povo de se manifestar nas urnas, razoável o adiamento por prazo suficiente desde que não coloque em risco a vida da população.
Qual sua opinião acerca da questão dos custos das eleições nessa seara de priorização de recursos à saúde – e nesse sentido é necessário frisar a eleição suplementar ao Senado – que também deve ser levada em consideração nesse meio de discussões.
Para usufruir dos benefícios da democracia a sociedade investe na manutenção de suas instituições garantindo o funcionamento autônomo e independente dos poderes da república para garantia da liberdade. A eleição é imprescindível para a democracia e o valor investido por mais oneroso que seja se faz necessário para possibilitar eleições livres, justas e competitivas.
Ademais segundo o IBGE são 5568 municípios que estarão envolvidos no processo eleitoral e estaremos saindo da Pandemia, importante estarmos prontos e vigilantes para se garantir a estrutura do nosso estado democrático, retornando as nossas atividades normais
O tema unificação das eleições – municipais e gerais – deve ser receber atenção especial no Congresso?
O debate sobre o tema já vem ocorrendo, com forte pressão daqueles que almejam a prorrogação de seus mandatos, constituindo mero oportunismo, burla a Constituição e sórdida manobra aproveitando-se do momento difícil vivenciado em nosso País.
A propósito disso devemos considerar que a unificação das eleições não é a solução mágica capaz de resolver os nossos problemas, uma vez que a democracia compreende frequente participação e comprometimento, já com as eleições unificadas teremos pouco debate político, menor participação da comunidade eleitoral por ausência de debate produzindo efeito deletério por enfraquecer nossas instituições democráticas.
Outra questão seria de ordem técnica já que a Justiça Eleitoral teria uma sobrecarga na administração das eleições comprometendo a sua peculiar e reconhecida eficiência em curto espaço de tempo frente a enormidade de uma eleição unificada, pois neste caso compreenderia eleições para 5.568 municípios, com cerca de 500 mil registros de candidaturas, 26 eleições estaduais (governador, senadores e deputados federais e estaduais), a eleição do Distrito Federal e eleição nacional para Presidente da República. Não há estudo divulgado a respeito mais pelo tamanho que se apresenta uma eleição unificada, não há dúvida que o argumento – diminuição de custo – não procede, já que há necessidade maior de contratação de pessoas e treinamento para capacitação, fornecimento de bens e serviços de terceiros, aumento de carga horária e a adequação do sistema eletrônico de votação.
Outra questão que merece consideração é a distribuição no horário de propaganda eleitoral no rádio/TV, a uma pelo exagerado número de candidatos (as), os debates eleitorais estarão mais voltados para o debate regional e nacional em detrimento da questão local.
Soma-se a isso – é possível adiantar – a enormidade de votos nulos dada a complexidade e o extenso número de candidaturas que com certeza dificultará a compreensão do eleitor comum comprometendo a vontade real do eleitor.
Também nessa linha de análise – muitos parlamentares e mesmo representantes da sociedade civil organizada entendem que recursos do Fundo Eleitoral devem ser destinados para apoio à saúde pública – no campo do combate ao Covid-19. O senhor concorda?
A proposta é plausível, justificada e merece acolhida, pois em primeiro lugar ‘vidas’.
Há risco nesse campo de campanhas voltarem a ser financiadas por empresas?
Não. Isso é página virada e nenhuma proposta neste sentido merecerá acolhida e será rejeitada pela população. Na verdade, a história recente comprova através da nacionalmente conhecida operação Lava Jato que o dinheiro doado pelas empresas se originava dos próprios cofres públicos, ora via BNDES, incentivos fiscais, favorecimentos de contratos administrativos de grande vulto, ou seja financiamento empresarial no Brasil está fortemente ligado a corrupção, o que é inaceitável.
O ministro Luis Barroso, que assumirá o TSE em maio, assinalou em recente entrevista no circuito nacional que as eleições municipais poderiam até ser prorrogadas – por apenas “meses” – mas pontuou não concordar com a prorrogação de mandatos por mais dois anos. Ele está correto?
Quanto a Prorrogação de mandatos, devemos concordar com o ministro, eis que não se deve mudar regra do jogo com esse quase no fim, claramente se atentaria contra o Princípio da Representatividade, eis que a escolha se deu para um mandato de 4 anos, e não para uma representação de 6 anos, assim me parece mais um “ajeitamento” de interesses que verdadeiramente uma questão que vá ao encontro da vontade popular.
Quanto a prorrogação ao que parece o TSE deixou para final de maio a análise dessa questão, inclusive garantindo que o Calendário eleitoral deve ser cumprido, quanto a prazos e demais providências, contudo vários são os fatores relativos ao adiamento, como gastos com link de satélite, providências de segurança, horas extras etc. etc., e lógico uma análise técnica de como estaremos em relação a Pandemia da Covid-19, eis que saúde e vida vem em primeiro lugar.
O ministro também alertou que essa situação depende do Congresso – em razão da inconstitucionalidade. O senhor vê chances de essa ideia realmente passar pelo Congresso?
A questão da aprovação no Congresso Nacional pode até ser possível, diante do quadro político, contudo, numa análise superficial cremos ser inconstitucional, haja visto que agride a periodicidade e alternância do poder, bem como agride o princípio do artigo 16 da CF, Princípio da anualidade, que prevê que alterações no processo eleitoral tem que ser realizadas um ano antes das eleições, e ainda, de um outro ponto quem definiu o regramento foi o poder constituinte originário na elaboração da Carta Magna, sendo que uma alteração dessa ordem demandaria uma nova Constituição e não caberia ao Poder Constituinte derivado.
Como avalia a ideia defendida por alguns parlamentares de revisão sobre custos da máquina pública – desde VI – Verba Indenizatória e até mesmo salários – para colaborar no quadro de combate ao coronavírus? Isso poderia se tornar uma prática em todos os Poderes e se ganhar força, quem sabe uma transformação nos parâmetros de gastos públicos – ou seja, pagos com o dinheiro do pagador de impostos?
Considerando que o Estado é um setor essencialmente prestador de serviços, os recursos humanos assumem importância especial na avaliação de qualquer tipo de análise de eficiência das ações governamentais, eficiência – é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhado apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros
Daí ser essencial que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, tenha como diretriz bons profissionais que desempenhem esses serviços, e a remuneração é um fator preponderante para tal, contudo deve-se se ter a coragem de enfrentar as disparidades salariais entre eles (VIs, abonos, auxílios saúde, alimentação, moradia etc); e acabar com uma série de despesas supérfluas que poderiam ser evitadas. Tais como gastos de pelo menos, R$ 55,3 milhões por ano com café e com o serviço de copeiragem nos órgãos públicos Federais, e outros como R$ 43,3 milhões para festividades e homenagens, gastos pelos ministérios da Defesa, Educação e Agricultura no ano passado. Talvez se o gestor público não fizesse essas compras se ele estivesse usando o seu próprio dinheiro, na sua casa, não efetuaria esse tipo de despesa.
Considerações final
Nesse momento, mais importante que nos preocuparmos com mudanças e alterações casuísticas, temos que nos preocupar com a saúde da nossa família e de todos da sociedade, por isso a questão primordial e essencial é a vida em primeiro lugar. “Fique em casa”.