Sistemas de reconhecimento facial entram na rotina de segurança de espaços públicos e privados no Brasil. São sujeitos a falhas e trazem novos limites à intimidade
Já não há muito o que fazer para impedir a apropriação digital de seu rosto. Imagens de faces estão sendo captadas com alta precisão e disputadas em todas as partes do mundo por empresas e governos. Devido a isso, o reconhecimento facial não é mais uma moda passageira ou uma tecnologia de ficção: está virando o padrão de vigilância em locais públicos e privados, físicos e virtuais, mesmo representando uma invasão de privacidade e com os atuais riscos de falha que apresenta. Em nome da segurança pública e privada, busca-se ampliar os bancos de dados de reconhecimento sem estabelecer limites legais e sem garantir a precisão da identificação.
A polícia do Rio de Janeiro começou a testar uma tecnologia do tipo no Carnaval de Copacabana, para identificar mais rápido e facilmente criminosos procurados. Conseguiu cumprir oito mandados de prisão em dez dias de utilização, mas cometeu um erro crasso: apontar falsamente uma mulher que carregava uma placa de compra de ouro e prata como sendo Maria Lêda Félix da Silva, uma fugitiva condenada por homicídio. Uma pessoa inocente acabou enfrentando os transtornos de ser levada para uma delegacia. Mesmo assim a população do Rio vai assistir, muito em breve, a uma proliferação de câmeras de rastreamento pela cidade.
A humilhação sofrida pela mulher é só um exemplo dos riscos atuais desses aparelhos: o chamado falso positivo, quando um inocente é confundido com um criminoso. Seus erros podem acabar com a vida de uma cidadão. Eles aumentam o controle do Estado e do mercado sobre as pessoas e acabam globalmente com a privacidade. Começam com o objetivo de identificar bandidos, mas podem servir para monitorar ativistas políticos, por exemplo, ou consumidores desprevenidos. Sistemas de detecção usados na Inglaterra e nos Estados Unidos são criticados por oferecerem mais precisão na identificação de caucasianos do que de negros ou árabes. Regimes autoritários usam e abusam dessa tecnologia. Há mais de 170 milhões de câmeras instaladas na China, por exemplo. Em Hong Kong, manifestantes pró-democracia precisam usar capuzes para não serem identificados e presos.
O problema inicial dos rastreadores é sua função autoritária e de controle das massas, no qual a privacidade e a democracia ficam em segundo plano diante da política de segurança. Embora sejam úteis, anunciam uma espécie de distopia de vigilância permanente, um passo em direção à instalação de chips nas pessoas assim que elas nasçam. Para impedir desvios no uso e no compartilhamento dos bancos de dados de imagens, o CEO da FullFace, Danny Kabiljo, sugere que haja, urgentemente, alguma regulamentação nesse mercado. Não existem leis no Brasil para garantir os direitos dos cidadãos e proteger os dados capturados pelas câmeras. “Uma das premissas para se atuar nesse negócio é garantir o sigilo da base de dados”, afirma Kabiljo. A FullFace é responsável pela implantação de um check-in por identificação facial nos voos da Gol e adota diversos recursos para proteção do sigilo das imagens.
O negócio do FaceApp é ficar com a foto do usuário em troca da brincadeira. O risco é ceder as informações e expor a vida ao aplicativo
Na base de dados
Centros comerciais, aeroportos e supermercados estão recebendo investimentos para o uso da tecnologia para reconhecer seus clientes e rastrear seus passos no estabelecimento. O Pão de Açúcar acaba de anunciar que terá novas lojas inteligentes, nas quais a identificação de rostos é um dos principais recursos. O metrô de São Paulo, um dos lugares por onde mais circulam pessoas no Brasil – 3,7 milhões diariamente – anunciou que vai implantar um dispositivo de reconhecimento, instalando mais de cinco mil câmeras avançadas nos seus trens e estações para monitorar o movimento e conhecer melhor os usuários. Além de identificar criminosos escondidos na multidão (desde que a polícia local e de outros estados compartilhem suas informações) a ferramenta permitirá o mapeamento mais preciso dos hábitos de transporte da população e acumulará uma imensa base de dados de rostos de paulistanos que, se cruzada com outras bases de dados, pode produzir informações não autorizada.
Na corrida global por retratos bem compostos e definidos, o aplicativo russo FaceApp, usado para simular o envelhecimento, conseguiu largar com boa distância e virou moda no Facebook no Brasil. As pessoas autorizam o uso de sua imagem para projetar sua aparência na velhice. O negócio do FaceApp é basicamente ficar com a foto do usuário em troca da brincadeira. Mas ela pode gerar sérios riscos. O problema desse tipo de sistema é que ele pode expor a vida das pessoas sem que elas necessariamente saibam ou queiram. É preciso tomar cuidado ao autorizar o uso da própria imagem.
Identificação pela face
1. O primeiro passo é a captura do rosto
2. A imagem é convertida em dados, com 1.024 pontos de identificação
3. Sistemas avançados buscam provas biológicas de que se trata de um rosto autêntico, com dilatação de pupila e textura da pele e dos músculos compatíveis a uma pessoa real
Fonte: IstoÉ (Por Vicente Vilardaga)