Alexandre de Moraes toma decisões 100% contrárias ao que diz a lei, e não há limite para nada no STF

A última realização do ministro foi uma obscura construção através da qual se chega à conclusão de que “a direita” deveria ser proibida de participar das eleições brasileiras

*Por J.R. GUZZO

Há alguma coisa profundamente errada com o ministro Alexandre de Moraes. É esquisitíssimo, em primeiro lugar, que ele apareça tanto assim no noticiário, como se fosse o homem público mais importante que o Brasil já teve em 521 anos de história – ou um astro do sertanejo universitário no auge da carreira. Se o cidadão não foi eleito nem para a presidência do clube de bocha do bairro, e lida no seu dia a dia com algumas das coisas mais chatas que existem na esfera do conhecimento humano, porque virou essa figura “pop” que deixa em transe o mundinho da elite brasileira? Mais que isso, e muito pior que isso: é rigorosamente incompreensível o que Alexandre está fazendo como ministro do Supremo Tribunal Federal. Aí complica um colosso, porque o que ele faz tem efeito prático, imediato e doloroso. Por uma dessas calamidades que perseguem o Brasil, como a saúva e a seca no Nordeste, o STF virou o grupo que manda hoje na sociedade brasileira – e seria difícil achar um grupo que manda tão mal. Nesse ponto, justamente, a coisa pega: entre os que mandam mal, Alexandre é hoje o que manda pior.

É mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que “o grupo” mexer no despacho de alguém

Como é que as coisas ficaram assim? Não dá para entender. Justo com ele, que é juiz supremo e, nessa condição, não tem ninguém acima para lhe dizer que não pode fazer isso, ou que é obrigado a fazer aquilo? Fica difícil. O que Alexandre resolve está resolvido; há os outros dez ministros, claro, mas é mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que “o grupo” mexer no despacho de alguém. Seja lá o que for, o grupo “está fechado”, e dá a maior força ao “professor”; se um deles decidir que 2 mais 2 são 22, vai ficar assim mesmo e não se fala mais nisso, a menos que você esteja querendo contestar as “instituições” e tomar um processo no lombo por “atos antidemocráticos”. Alexandre sabe, obviamente, o que está escrito na Constituição e na legislação penal brasileira, pois qualquer um, até um jornalista, é capaz de saber; não existe a possibilidade de que ele não saiba, ou não tenha entendido o que leu. Faz de propósito, portanto – e aí complica geral. Que diabo está acontecendo aqui? A última bula universal baixada por Alexandre mostra pelo menos uma coisa: não há mais nenhum limite para ninguém, nem para nada, dentro do STF. Se o ministro sabe perfeitamente o que está fazendo, e continua a fazer o que faz, é porque chegou à certeza de que pode tudo. Não perca o seu tempo, assim, tentando descobrir onde passa a fronteira: não há fronteira. É onde estamos no momento.

Em sua última decisão, talvez mais que qualquer outra, o homem realmente chutou o balde:  simplesmente proibiu o deputado Daniel Silveira, que está em pleno exercício do seu mandato, de dar uma entrevista ao programa “Direto ao Ponto”, da Jovem Pan. Isso não existe desde que o regime militar proibia o bispo dom Helder Câmara de falar à imprensa, e à imprensa de publicar o que ele falasse. Não é que o deputado tenha dado a entrevista e, depois, sido acusado por Alexandre de ter dito alguma blasfêmia antidemocrática no ar. Ele foi proibido de dizer o que ainda não tinha dito. Que tal?

E se Silveira quisesse dizer na entrevista que o Supremo é a coisa mais linda que existe no Brasil? Não poderia, segundo o decreto de Moraes. E se quisesse falar dos 2 a 1 do Palmeiras em cima do Flamengo? Também não poderia. Nada poderia, em suma. É uma novidade realmente extraordinária. Nem se trata, nisso aí, de dizer que a decisão não vale nada do ponto de vista jurídico; qualquer advogado de porta de cadeia sabe que não existe nenhum artigo na Constituição, ou em qualquer das 10 milhões de leis em vigor no Brasil, que autorize o ministro a censurar o que um cidadão vai falar. O que chama a atenção, mesmo, é que Alexandre não faz mais nexo – em matéria de lógica, o homem descolou da nave-mãe. Suas decisões não precisam mais manter nenhum contato com a racionalidade; ele quer, como o rei Luiz XV, e se ele quer, os nove colegas (no momento está faltando um) também querem, e se o STF quer, ninguém tem nada de ficar fazendo pergunta. E os direitos do deputado Silveira? Os direitos do deputado Silveira que vão para o diabo que os carregue.

Ele já estava proibido por Alexandre de se manifestar pelas redes sociais; é um dos 513 deputados federais do Brasil, igualzinho aos outros, não foi cassado e nem recebeu condenação judicial nenhuma, mas não pode nem desejar um feliz aniversário pelo Twitter. Que lei permite um negócio desses? O ministro sustenta, pelo que dá para entender da sintaxe atormentada das suas decisões, que o deputado é uma ameaça à democracia e, em casos de ameaça à democracia, a liberdade de expressão não se aplica. Não se aplica, por sinal, nenhuma das garantias individuais do cidadão. No mundo das realidades, o que ele fez foi insultar o STF num vídeo. Pela lei, Silveira tem imunidades parlamentares, e jamais poderia receber as punições que recebeu. Mais: se fosse legalmente processado, julgado e condenado por um juiz de direito, isso seria crime de injúria, ou de incitação à violência – delitos que não permitem a prisão de ninguém em flagrante e muito menos nove meses de cadeia, como Alexandre socou em cima dele, e nem o banimento de rede social nenhuma. Mas e daí? Aqui é nóis que manda’. Se não gostou vai reclamar no tribunal de Haia.

O ministro, em linha com o resto da sua cabeça, também se tornou um militante político de vanguarda. Sua última realização – num encontro “latino-americano” de esquerda sobre “liberdade de expressão”, imaginem só – foi uma obscura construção através da qual se chega à conclusão de que “a direita” deveria ser proibida de participar das eleições brasileiras. Essas de 2021, já agora? Alexandre não esclareceu. Disse apenas que a direita – “uma nova direita” – está pretendendo conquistar o poder através das eleições, com o objetivo de “corroer as instituições democráticas”. Os responsáveis por isso seriam “ideólogos norte-americanos”. É mesmo? Quais? Essa informação também não foi fornecida. O que a direita vai fazer, segundo o ministro, é acabar com a democracia e com a “oposição”, através da “assunção do poder pelas vias democráticas”.

Se é de direita, não tem direitos; é assim que se defende a democracia neste país

O pior, nessa trapaça toda, pode nem ser o ministro Alexandre, embora esteja tudo suficientemente errado com as suas sentenças, os seus discursos e a sua conduta no STF. De repente, pensando bem, ele até que está na dele. Pode fazer o que bem lhe dá na telha, sem correr o mínimo risco. Ninguém o impede de fazer nada; por que raios não faria? Ele quer ser o exterminador da direita. Quer ser um novo herói para a esquerda e para a cantora Daniela Mercury. Quer ser o mais querido dos jornalistas. Tudo bem; a vida é assim mesmo. A tragédia é a passividade com que o Brasil que pensa, opina e decide como o país deve ser governado aceita – ou incentiva – a degeneração descontrolada das atribuições do STF. A verdade, no fim das contas, é que o STF só existe do jeito que é porque a sociedade brasileira o aceita do jeito que ele é. Todo mundo faz de conta que não está acontecendo nada demais. O cercadinho da política, a mídia, a OAB, a elite, os banqueiros de investimento de esquerda, a universidade, os “garantistas” e mais uma porção de etcs. não acham, realmente, que haja algum problema no fato do STF desrespeitar o tempo todo a Constituição. Por covardia, ou por acharem que é assim mesmo que as coisas devem ser, tratam os ministros como gente que, afinal das contas, está salvando o Brasil – são uma muralha que defende a democracia, e outras coisas igualmente fenomenais. Esse mundo todo acha que está muito certo um sistema superior de justiça que mantém preso o ex-deputado Roberto Jefferson e solta o traficante Fábio Santos, o “Gordão do PCC”, depois de ter soltado o seu companheiro “André do Rap”. Qual seria o problema? Não se sabe qual é a ideologia do “Gordão do PCC”, mas todo mundo sabe muito bem que Jefferson é de direita. Se é de direita, não tem direitos; é assim que se defende a democracia neste país. Alexandre de Moraes, aí, é apenas mais um no time – e, nesse caso, o que está profundamente errado não é bem ele, e sim o Brasil de hoje.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Fonte: Jovem Pan – jovempan.com.br

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